Erros na formação
- Raphaela Ferro
A opinião é da doutora em Metodologia de Ensino e Educação Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), Gisela Wajskop. Diretora acadêmica do Instituto Singularidades (Instituto Superior de Educação de São Paulo), ela convive diariamente com esse processo de formação inicial de professores.
A entidade que Gisela dirige tornou-se referência nacional na formação inicial e continuada de professores e especialistas em Educação. No ano passado, em novembro, o instituto promoveu um seminário internacional em São Paulo para discutir o tema.
Embora não seja nenhuma novidade, a conclusão da especialista é um assunto polêmico e cercado por resistência. Para ela, uma coisa é certa: é necessário alterar o lócus da Pedagogia, das licenciaturas e da própria função do professor. “É preciso que o país reconheça a docência como uma profissão com competências e funções próprias”, afirma.
O que é necessário para formar um bom professor?
Em primeiro lugar, é necessário considerá-lo como uma profissão e não como uma ocupação. Ou seja, é preciso que o país reconheça a docência como uma profissão com competências e funções próprias, de maneira a que se tenha um perfil do profissional.
A partir daí, é necessário definir um currículo nacional de formação e um lócus que não seja universitário, mas profissionalizante, com campos teóricos a serem estudados e um campo prático de observação.
Dentro dessa óptica, o que precisa ser revisto nos cursos de Pedagogia e licenciaturas para uma melhor formação (e melhor preparo para sala de aula) desses profissionais?
Primeiro é necessário rever o próprio lócus da Pedagogia e das licenciaturas como lugar da formação. Tradicionalmente e historicamente, no Brasil e em outros países, a Pedagogia tem sido um curso generalista e, portanto, mais teórico.
Além do mais, esses cursos formavam profissionais que acabaram desaparecendo em nosso país. A Pedagogia passou a ser preferencialmente o lugar da formação docente. Desapareceram, por exemplo, o pedagogo hospitalar, o pedagogo empresarial, o que cuida de crianças especiais etc.
As licenciaturas, então, nascem como uma Pedagogia de quinta categoria, pois a parte específica das áreas é ministrada nos bacharelados e a parte didática é apenas genérica. A ideia dos Institutos Superiores de Educação como lugar para formação dos professores e especialistas da Educação - tais como gestores, diretores etc., associados a campos de atuação específicos nas escolas de Educação Básica - deve ser retomada.
E quanto aos currículos mais especificamente?
Temos que repensá-los. Os cursos de formação devem ser associados a um ensino mais prático, no qual os estudos são necessariamente - e visceralmente - vinculados às redes de ensino e à sala de aula.
As disciplinas devem ter, em seus planos de ensino, atividades de estudo, leitura e teoria, que devem auxiliar a construção de novas estratégias didáticas para uma boa aula. Estratégias que devem ter base na gestão do tempo/espaço escolar, na organização dos agrupamentos de estudantes, na seleção e nas sequências dos aprendizados e na relação estrita com as aprendizagens dos alunos do ensino básico.
Os cursos de Pedagogia e licenciaturas devem estar calcados em aulas práticas de análise de cenas docentes, de material didático, de planejamento, intervenção e avaliação de aulas como pré-exercício profissional.
As disciplinas teóricas e advindas de outras áreas de conhecimento servem para que o aprendiz de professor conheça o desenvolvimento psicológico, cognitivo, histórico, social, artístico, etc de seus futuros alunos.
As atuais aulas de estágio não são suficientes?
Não, porque ocorrem no final do curso. Para fazer direito, essa é a parte mais específica, trabalhosa e cara da formação. Em geral, os cursos de Pedagogia e licenciaturas deixam os estágios para os últimos semestres, sem acompanhamento didático específico do estudante.
Além do mais, no final do curso, se o estudante ainda não aprendeu a dar aulas, será muito difícil aprender só por observação. O que acontece porque as práticas brasileiras, com raras exceções, são muito ruins.
As questões associadas ao professor novato têm sido bastante estudadas. Elas demonstram que eles se sentem muito sozinhos e muitas vezes abandonam a profissão por não saberem o que fazer frente a um conflito entre alunos, ou mesmo frente a uma pergunta relativa ao conteúdo das aulas.
O que deveria ser feito para que essas aulas realmente preparassem os professores?
Elas deveriam ser obrigatórias desde o primeiro semestre dos cursos, com uma sequência que vai da observação, passa pela análise das práticas até chegar a uma prática de pré-exercício. Nas diretrizes das licenciaturas existe a possibilidade da parte prática ser ministrada na primeira metade do curso e o estágio ser obrigatório a partir da segunda metade.
Mas dizer que existe hoje uma parte prática acaba não significando nada. Os cursos solicitam atividades genéricas. A ideia de estágio desde cedo é melhor, na medida em que a entrada precoce do aluno no espaço escolar possa se dar de maneira gradativa. Isso auxilia a entrada na profissão de maneira tutelada.
Além disso, os estágios deveriam proporcionar o contato dos estudantes com os diferentes segmentos de ensino, por meio da frequência de um a dois dias por semana na sala de aula. Os alunos deveriam acompanhar o professor da sala em seu planejamento, ajudando-o com atividades pontuais, depois avaliadas por meio de relatórios.
Outra opção seria proporcionar uma experiência de pré-docência por meio do uso de uma aula filmada e depois analisada em classe. Em terceiro, deveria haver, ainda, a possibilidade dos aprendizes de docentes participarem de trabalhos em equipe nas escolas e/ou de reuniões pedagógicas para aprenderem a trabalhar em equipe.
Essa questão incide no aprendizado dos alunos?
As aprendizagens ocorrem com mais qualidade e eficácia quando se tem um bom modelo. Um professor que saiba o que está ensinando, que pense na melhor maneira de fazer seus alunos se interessarem pela matéria – um texto bem lido, um laboratório para fazer experiências, uma aula que envolva o aluno – sempre incide nos aprendizados.
Na realidade, cada um aprende o que pode, mas as situações de mediação são definidoras para o aprendizado. Sabemos que aprende-se por ensaio e erro, mas quando as situações de aprendizagem preveem isso, os estudantes têm mais possibilidade de aprender os conhecimentos já acumulados pelas antigas gerações.
Nem todas as crianças, adolescentes, jovens e adultos gostam de estudar ou podem aprender sozinhos. Assim, um professor que conhece os conteúdos, que tenha um cardápio de estratégias boas para implicar seus alunos no conhecimento e que compreenda que aprender é um exercício longo e persistente poderá ter mais sucesso no aprendizado de seus alunos.
As falhas na formação inicial de professores ocorrem também em decorrência da pouca importância que esses cursos têm dentro das universidades? Concorda?
Sim, acontece, em geral, por duas razões que se entrelaçam historicamente: uma interna e outra externa às universidades. A interna diz respeito à política de avaliação universitária e de produtividade acadêmica dos cursos de Pedagogia, que priorizam a produção de papers e de resultados de pesquisa associada à produção filosófica e genérica.
Mesmo as universidades que possuem escolas de aplicação, com raras exceções, vivenciam uma cisão entre os departamentos da universidade e a estrutura dessas escolas. Os bacharelados das diferentes áreas do conhecimento nunca se preocuparam com a didática.
Só há pouco tempo é que tornamos o ensino mais genérico. A escola democrática passou a ensinar as massas sem preocupar-se em introduzi-las no repertório mais amplo das Ciências. As licenciaturas, da maneira como existe hoje, foram criadas de maneira aligeirada para dar conta da democratização do ensino na década de 70.
E a questão externa?
Está relacionada à massificação do ensino e é um fenômeno recente. Até pouco tempo atrás era o Ensino Médio o responsável por formar os professores para o ensino básico. A massificação do ensino não foi acompanhada de uma valorização salarial e de carreira correspondente, o que distanciou ainda mais a universidade da carreira.
Por razões difíceis de especificar, nossa universidade não se interessa pela escola como um lugar em que se produz conhecimento. Ela é muito mais um campo de retirar material de pesquisa do que de produção. O prestígio resultante da pesquisa escolar é baixo no Brasil. Basta constatar que não existe pesquisa didática em nosso país.
Quem é e o que faz?
Gisela Wajskop é diretora geral acadêmica do Instituto Singularidades (Instituto Superior de Educação de São Paulo) em São Paulo, é doutora em Metodologia de Ensino e Educação Comparada pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), é mestre em Educação Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC/SP), além de bacharel e licenciada em Ciências Sociais pela USP.
Assessora e consultora em Educação e membro do Conselho Consultivo da Revista Pátio - Educação Infantil, ela atuou como coordenadora de Educação Infantil do Ministério da Educação (MEC) entre 1998 e 2000. Neste período, coordenou o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI)
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