quarta-feira, 7 de março de 2012

"Educação Para a Paz: Uma Proposta Pedagógica Para a Não Violência

Educação para a Paz: uma proposta pedagógica para a não violência
Luiz Claudio Borin
Mestrando em Filosofia da Educação CE/UFSM. Especialista em Metodologia do Ensino Religioso (UPF) e Educação Sexual (UNIFRA). Professor de Filosofia e de Ensino Religioso do Colégio Franciscano Sant'Anna em Santa Maria - RS.


1. Resumo
2. Introdução
3. Problematização
4. Relato da proposta
5. A paz e o cotidiano escolar
6. Avaliação e rendimento
7. Considerações finais
8. Referência bibliográficas

1. Resumo

O presente artigo é feito com bases a um projeto que desenvolvi no Colégio Franciscano Sant'Anna, situado no município de Santa Maria, Rio Grande do Sul, com quatro turmas de educandos de sétima série, com idades entre doze e treze anos. O eixo principal é a problemática da Paz, onde os educandos em um primeiro momento fizeram leituras de recortes de jornais e ou revistas que evidenciam diversas formas de violência existentes em nossa sociedade e no mundo atual, tendo uma crítica a respeito das manchetes relatadas. Em seguida, foi realizada uma pesquisa escrita sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos e com exposição dos artigos mais relevantes. Para responder aos motivos que dificultam a execução da Declaração Universal dos Diretos Humanos, os educandos pesquisaram sobre a vida e a "causa" dos "heróis não violentos", como Mandela, Teresa de Calcutá, Betinho, Francisco de Assis, entre outros.



2. Introdução
O projeto "Educação Para a Paz: Uma Proposta Pedagógica Para a Não Violência" foi desenvolvido no Colégio Franciscano Sant'Anna, situado na cidade de Santa Maria, região centro do estado do Rio Grande do Sul. Esta Instituição Escolar tem uma excelente localização e busca adaptar-se dentro do físico que dispõe. É favorecida por estar situada em um grande pólo universitário, podendo, desta forma, garantir parcerias com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Franciscana (UNIFRA) e outras instituições de Ensino Superior.
A referida Instituição, possui quase dois mil alunos, aos quais oferece Educação Infantil (Maternal - Nível A - Nível B), Ensino Fundamental (Primeira à Oitava série), Ensino Médio (Primeira à Terceira série), Aproveitamento de Estudos e Magistério.
Porém, o projeto desenvolvido abrangeu quarto turmas de sétima séries do Ensino Fundamental, cujos interlocutores pertenciam numa faixa etária que variava de entre doze a treze anos.
Na minha prática educativa, percebo que uma das maiores problemáticas ocorre em torno da questão da agressividade, sendo esta intimamente ligada à violência social, que em grande parte, é perpassada pelos Meios de Comunicação Social (M.C.S.), principalmente a televisão. Desta forma, surge a importância de se trabalhar com os alunos de sétima série do Ensino Fundamental este assunto, a fim de construir uma prática pedagógica que promova uma mentalidade da cultura da não-violência.
Sem dúvida, o componente curricular Ensino Religioso Escolar (E.R.E.), possibilita reflexões críticas e construtivas a respeito desta problemática de relevância em nosso contexto histórico-social, existencial e transcendental, além de outras.
O Ensino Religioso Escolar no Colégio Franciscano Sant'Anna tem um papel muito importante e busca oportunizar ao educando condições para a descoberta da vida como Dom Supremo de Deus, despertando-o para o compromisso com o outro, na transformação da realidade através da vivência dos valores evangélico-franciscanos.
A proposta deste projeto de Educação Para a Paz é direcionar de maneira ordenada uma prática pedagógica com o objetivo de "possibilitar" erradicação toda forma de violência na comunidade educativa, buscando assim, uma paz social, impulsionando-os a reconstruir uma sociedade mais justa, solidária, tentando eliminar toda forma de exclusão e de opressão. Cabe ao "Educador da Paz", conceber um método de ensino que possibilite reflexões sobre a importância das resoluções de conflitos de modo não violento, incutindo uma nova concepção onde predomine a humildade e a tolerância.



3. Problematização
Hoje, o ser humano torna-se cada vez mais "individualista", com efeito, precisa-se, com urgência, torná-lo mais justo e em contrapartida, mais pacífico. Considerando a "Paz" como uma questão cultural, a escola possui um papel fundamental na construção dessa evidencia, assim como a violência que é perpassada de maneira clara e até mesmo "camuflada" pelos M.C.S.
Os M.C.S. através dos "heróis" que combatem a violência pela própria violência, dinamizam na criança e no adolescente que os assistem a mesma concepção de paz, ou seja, para conquistar a paz torna-se necessário armar-se, a "Pax Romana". O mesmo acontece nas escolas quando estuda ou ensina-se os "heróis", reforçando esta concepção, que para conquistar o que se deseja, deve-se armar, mesmo que seja em detrimento do ser humano.
Ao invés de estudar os "heróis" que perpassam a conquista da paz pela violência, por que não incutir nos educandos, pessoas que fizeram história através de seus testemunhos, como o grande Luter King, ou a coragem de Ghandi, o inovador Nélson Mandela, a bondosa Teresa de Calcutá, o carismático Betinho e a simplicidade de Francisco de Assis?
Verifica-se, portanto, que não só estamos em uma sociedade violenta, mas também, por uma ótica diferenciada, em uma estrutura educacional violenta e excludente. Desta forma, faz-se urgente proporcionar na escola a cultura da não violência, formando educandos com valores, atitudes e comportamentos que possibilitem uma Cultura da Paz.
As aulas partiram da realidade vivida pelos próprios alunos, tendo como base as suas experiências de vida e de mundo, não com conteúdos sistematizados e preestabelecidos, o que, certamente, desperta o interesse dos educandos em construir a proposta de uma Cultura de Paz.



4. Relato da Proposta
Como primeira reflexão, deteremos a questão da Justiça como um dos principais elementos da promoção da Paz.
Boff, deixa claro o conceito de Justiça, afirmando:
Justiça é dar a cada um o que lhe compete. Justiça é ter relação adequada à natureza de cada coisa. Justiça é, portanto, uma relação e uma atitude corretas, exigidas por cada situação". ( BOFF, 1999: 42 e 43 ).
Assim sendo, justiça é uma proposta não corretiva, mas de atos corretos, ou seja, dar a cada ser o que lhe é próprio, o que lhe é devido.
A sociedade na qual estamos vivendo é vitimada de muita violência que é, de certa forma, uma prática comum e até legitimada como algo inevitável no mundo moderno. Nunca se ouviu falar tanto em "Justiça" como nos últimos tempos, tendo como primeira concepção de resolução de problemas a questão da punição, sendo esta, considerada o meio mais eficaz, em uma visão utilitarista, para a obtenção da Paz.
Desta forma, a sociedade, de modo geral, aceita a "pena de morte" como a saída mais prática para combater as injustiças que perpassam o nosso cotidiano. Esse pensar imediatista para a solução dos problemas é comum, não só na sociedade, mas também em relação ao mundo escolar. O exemplo mais evidente é quando o educando sugere punições drásticas aos colegas que não seguiram as regras estabelecidas na escola, extrapolaram seus limites.
Em contrapartida, é necessário dinamizar nos educandos um modo de pensar e de agir que oportunize reflexões com a tentativa de buscar soluções que elimine as verdadeiras raízes do mal - a fome, a desigualdade social, a miséria. Logo, pode-se refletir com os educandos a melhor maneira de "combater" toda forma de violência e praticar uma "correta" Justiça Social. A paz só acontecerá em nosso mundo quando cada ser humano de maneira individual promover a Justiça no meio em que vive, mas, não haverá Paz enquanto tivermos injustiças social, conforme mencionado. Sendo assim, o profetismo de Isaías torna-se uma possibilidade viável: "E a obra da Justiça será a Paz; e o eleito da Justiça terá sossego e segurança para sempre." ( Is. 32,17 )
Com esse objetivo, desenvolvi o Projeto "Educação Para a Paz: Uma Proposta Pedagógica Para a Não-Violência" no Colégio Franciscano Sant'Anna, de Santa Maria - RS, com educandos das turmas de 7ª ( sétima séries ) e pude constatar que as reflexões feitas em sala de aula, dinamizaram nos mesmos uma forma diferente de entender a Justiça, não mais como um conjunto de leis, mas como uma Justiça fundamentada na fraternidade, no respeito incondicional a vida, principalmente as vidas abaladas por um sistema que oprime e exclui.
Eis aí a opção de fazer-se "pobre", de entender o sentido mais profundo da palavra "Misericórdia" (ter o coração do miserável), pois, somente quem sente o que o miserável vive e passa, pode "lutar" pela Justiça e obviamente pela Paz.
Responsabilizar o Estado, o Governo, os Meios de Comunicação Social e demais entidades, para a grave situação de violência que vivemos torna-se muito cômodo, porém, precisamos assumir a parcela de responsabilidade que cabe a cada um de nós e fazermos uma re-leitura de nossas práticas. Com efeito, tal momento histórico constitui um circunstância ímpar, devido a todos os acontecimentos violentos que estamos presenciando neste novo milênio que se inicia. Para isto, deve-se reiterar com os educandos o compromisso com a Vida em sua forma mais ampla e proporcionar uma reflexão a respeito da "Declaração Universal dos Direitos Humanos", de modo muito particular. É também um momento de imprimir no dia-a-dia valores como a Solidariedade, a Cordialidade, a Fraternidade, o Diálogo (no lar, na escola, no trabalho, no esporte, entre outros). Com isso, certamente, desarmar-se-á "espíritos" de agressividade e maldade.
A violência está fazendo parte de nossa vida, como se fosse um complemento de nosso corpo ou de nossa existência. Esta resulta em "abusos" de poderes: homens querendo ser mais do que as mulheres e vice-versa, pais em relação aos filhos, ricos em relação os pobres, educadores em relação aos educandos, intelectuais em relação aos ignorantes, todos vítimas de uma violência absurda, que não nos leva a lugar nenhum. Contudo, é claro e justo afirmar que são as nossas atitudes demonstrarão se somos contra ou a favor da violência enraizada nossa sociedade. Com este princípio, o educando refletirá seu modo de ser e de agir, tendo, portanto, um pensar conseqüente.
Não podemos de modo algum legitimar a violência em nossa vida, casa ou sociedade, afirmando que tudo que acontece "é normal", o que nos é, de certa forma, perpassado principalmente pelos Meios de Comunicação Social. Estes incutem na mentalidade dos seus telespectadores, um modo de pensar em que a violência é tratada de forma inevitável, influenciando também o pensamento, de forma quase geral de nossos adolescentes do Colégio Franciscano Sant'Anna e quem sabe, de todo sistema educacional nacional.
No trabalho realizado com recortes de jornais, se percebe a naturalidade com que os Meios de Comunicação Social perpassam a idéia da violência aos educandos e por conseguinte, o papel do professor é o de despertar o senso-crítico, fazendo com que os mesmos percebam que tais fatos não são "mera normalidade".
Deve-se com urgência incutir uma nova mentalidade, a da indignação frente as práticas violentas e a omissão, despertando um compromisso na reconstrução de uma civilização que tenha como princípio, a Justiça e a Paz.
Para a conquista da Paz, não devemos ficar em meros discursos, sem profundidade e sem compromissos. O primeiro pressuposto para a obtenção da Paz é possuí-la. Pessoas pacíficas irradiam a Paz, levam a Paz, têm a Paz.
Quem quiser ser instrumento da paz de Deus deve ele mesmo ser uma pessoa pacificada, imbuída de cuidado essencial e cheia do espírito de bem-aventuranças, que é o que traz a paz. Deve irradiar paz de dentro para fora a partir de sua identidade mais profunda. ( BOFF, 1999: 60,61 )
A Paz interior não implica tranqüilidade, mas uma relação harmônica entre o próprio ser, outros seres e os demais entes que os rodeiam. Tais relacionamentos devem manter no ser um equilíbrio, tornando-o pacífico diante dos acontecimentos, a fim de que resolva os conflitos de forma não violenta.
A sociedade, de modo geral, é marcada pelo individualismo, da mesma forma, esta "Paz" não implica em questões meramente pessoais, mas em questões amplas, pois, vivemos em "Comum-Unidade", em uma "Co-Existência" Fraterna, ou seja, somos parte de um Todo. Portanto, como podemos falar e ficar em "Paz", se em nossa sociedade temos "irmãos e irmãs" passando fome, vivendo em miséria absoluta, sem ter voz e nem vez? Ser pacífico não implica uma inércia ou indiferença social, é uma questão de "luta", que proporcione melhores relacionamentos e convivência entre todos os habitantes de nosso planeta.
Considerando este aspecto, foi trabalhado com os alunos de sétima série, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tendo como objetivo central fazer com que os educandos percebam que para reconstruir uma nova sociedade, é fundamental a formação de uma civilização com Justiça, Igualdade e Paz e para isso, é imprescindível que a Humanidade redescubra o sentido da existência. Para esta conquista, é de suma importância o conhecimento e a prática deste "Documento Universal".
Mas, quais são os motivos que dificultam a execução da prática da Declaração Universal dos Direitos Humanos? Como tentativa de responder esta problemática, os alunos fizeram pesquisas em grupos sobre alguns homens e mulheres que fizeram a "Política da Não-Violência", como: Ghandi, Luter King, Mandela, Teresa de Calcutá, Betinho e Francisco de Assis.
A maioria das práticas violentas do Século XX foram ocasionadas pelo atual sistema (cultural - sócio político - econômico - valores - parâmetros que regem a nossa sociedade), portanto, precisa-se efetivamente proporcionar aos educandos reflexões acerca das ações de homens e mulheres que construíram um modelo possível através de um modo de pensar e agir mais humano e solidário.
Com este trabalho em forma de pesquisa, os educandos verificaram que existe e existiram pessoas que servem de um referencial positivo para a construção de uma sociedade onde predomine a Paz e o Bem. Pode-se dizer, que estas foram pessoas pacíficas, que souberam mais do que ninguém resolver seus problemas e mostrar a toda humanidade um modo não violento de resolver as dificuldades, incutindo assim, uma nova visão de Paz.
Para o desfecho deste trabalho foi proposto aos educandos a reflexão e análise de algumas frases, que serviram de alicerce para que pudessem expor suas idéias e entendimentos sobre o assunto. A dinâmica aconteceu da seguinte forma: o educador passou frase por frase no projetor e os educandos que concordavam com a afirmação da frase, ficavam em pé, enquanto que quem não concordava permaneciam sentados, justificando o motivo de ter concordado ou não com as devidas afirmações. As frases escolhidas foram essas:
  • "Quem quer Paz, prepare-se para a guerra."
  • "Onde há conflitos, não tem Paz."
  • "É preciso primeiro ter Paz interior."
  • "Luta e Paz se opõem."
  • "Pessoas agressivas não têm Paz."
Os educandos foram muito críticos perante este trabalho, não aceitando qualquer justificativa e respeitando o modo de pensar de cada colega. Com esta dinâmica trabalhamos os conceitos chaves para a reconstrução de uma sociedade com a perspectiva da Paz e do Bem.
A palavra "Paz" é "Sagrada", por isto, não se pode ficar apenas em símbolos vazios, que dizem pouco ou apenas uma parte da realidade, mas devemos entrar em sua dinâmica, fazendo com que o mesmo desperte algo em si, pois, assim, a Paz não ficará em meras palavras ou somente em belos símbolos, mas terá em seu bojo a verdadeira perspectiva.
É de suma importância que os educandos tenham claro certos conceitos para não cometerem equívocos não ficando no nível da superficialidade ou caírem no esvaziamento. Por isso, trabalhar de maneira correta conceitos como Paz, justiça, entre outros, é abordar questões de valores éticos e morais que norteiam nosso cotidiano.



5. A Paz e o Cotidiano Escolar
Em primeiro lugar, deve-se lembrar o tema ao qual consiste nosso estudo: "Educação Para a Paz: Uma Proposta Pedagógica Para a Não Violência". Como eixo central aparecem dois conceitos que nortearão esta pesquisa: Educação - Paz, e a seguir, Francisco de Assis, como eixo fundamental.
A palavra educação do latim, que significa "tirar de dentro", sendo assim, a educação perpassa a escolarização. Paulo Freire deixa claro que o educador e o educando aprendem juntos em uma relação dinâmica, tendo como método educativo a realidade no qual está vivenciando o educando.
Paulo Freire pensou que um método de educação construído em cima de uma idéia de diálogo entre educador e educando, onde há sempre partes de cada um no outro, não poderia começar com o educador trazendo pronto, do seu mundo, do seu saber, o seu método e material da fala dele. ( BRANDÃO, 1980: 21 )
Freire enfatiza a importância do diálogo para a construção do saber, pois "Dialogar é criar espaços para com que cada um possa dizer a sua palavra..." ( FREIRE, 1998: 38 ). Com isto, o educador reforça o conceito de educação e a mesma transcende a escola, conforme citado anteriormente.
Embora a educação seja permeada por pontos de vista divergentes, há um aspecto em comum: ela perpassa toda a existência humana e este processo determina, assimila e interioriza uma série de valores e atitudes no indivíduo.
Uma educação que proporciona a valorização do ser humano é uma educação "libertadora", sendo, portanto, um veículo de transformação da realidade social, impulsionando educador e educando à conquista de uma sociedade mais solidária.
Esta superação se faz realizando no cotidiano da escola, a educação libertadora, que é uma educação opcional, crítica, feita à luz da opção pelos pobres. Ela exige que, tendo como referencial ( inspiração e anúncio ) a sociedade solidária, existente, em germe, nas brechas do sistema, se recrie a escola, redefinindo a estrutura e a organização do trabalho escolar, de forma a possibilitar intervenções pedagógicas que se oponham ao que leva à exclusão. ( Caderno da AEC nº 72. 1998. Pág. 42 )
Dessa forma, a escola converte-se em um caminho que condiciona educadores e educandos a um compromisso de educar para a paz.
O primeiro passo para a obtenção da paz é a escola acabar com toda forma de exclusão. Logo constata-se que a paz é algo que se aprende, na família, na escola, na sociedade e meios de comunicação, além de outros. Cabe, portanto, aos educadores proporcionarem uma base ética aos educandos.
Uma educação para a paz pressupõe-se uma educação comprometida com a vida, em uma constante busca de respeito à dignidade humana, baseada na igualdade, na justiça e na fraternidade.
Trabalhar por um processo educativo que signifique contribuir para afastar o perigo da guerra; por um fim ao esbulho das zonas empobrecidas do planeta; ensinar a partir da e para a não-violência; aprender a considerar o conflito como um veículo de mudança, se sabermos resolvê-lo sem recorrer a violência; integrar o/a aluno/a em um processo de transformação da sociedade rumo à justiça... definitivamente, este vem a ser o compromisso de educar para a paz". ( Seminário de Educação para a Paz / APDH -CIP. 1990. Pág. 5)
Após a queda do muro de Berlim, viveu-se a expectativa de que o mundo conheceria a paz, pois acabara a "guerra fria". Contudo, com a globalização e logo a exclusão de muitos países do mercado, a esperada paz mundial, novamente foi adiada. Porém, não se pode passar aos educandos descrença, a visão que não se tem mais esperança, pois, existe em apologia da Paz a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Embora, os meios de comunicação sociais reforcem a violência e nas escolas sejam estudados os "heróis" violentos, como Duque de Caxias, deve-se com urgência incutir nos educandos os "heróis da paz", como Nélson Mandela, Betinho, Teresa de Calcutá, Luter King, Ghandi, e Francisco de Assis, entre outros.
Mas, por que enfatizar como referência Francisco de Assis e não outro herói pacífico? Primeiramente, porque eu por ser professor de uma Instituição Franciscana penso ser mais do que justo o entusiasmo e a alegria em divulgar a idéia e as ações deste grande homem. E mais; em recente pesquisa, a revista norte-americana "Times" fez entre seus assinantes a seguinte questão: "Qual o personagem mais importante do milênio?" Para a surpresa de muitos aparece em primeiro lugar Francisco de Assis. Este, não era cientista, músico, presidente ou um general... mas era simplesmente "irmão de tudo e de todos". Contudo, isto faz com que Francisco continue vivo nas mentes e seu sonho torne-se realidade em nossa humanidade que não aprendeu ainda a lição do homem de Assis.
A grandeza de Francisco transcende ao cristianismo e ao mundo católico, este é um "patrimônio da humanidade". Com este espírito, líderes das grandes religiões reuniram-se, pela primeira vez, em Assis para uma jornada de diálogo, oração e pedido de paz para o mundo.
Era a primeira vez que homens de religiões diferentes se encontravam para rezar juntos e no mesmo lugar. O acontecimento mudou o curso da história das religiões. E nasceu um novo espírito, o 'Espírito de Assis'.
O "Parlamento das Religiões" em Chicago, em 1993, foi um dos frutos de Assis." ( KENDALL, Pág. 124 )
Assim, pode-se dizer, que o papel das religiões não é somente professar uma fé, mas que esta fé seja uma vivência e a construção de um mundo melhor para todos os habitantes, pois, se verificarmos os seus respectivos "fundadores", cada qual possuía esta mesma utopia.
Dir-se-ia que a fé não pode exprimir seu conteúdo nem ser vivida em sua realidade profunda, prescindindo do impacto com o mundo e do compromisso pela paz, pela justiça, pelos direitos humanos. ( CULTRERA, 1999. Pág. 168 )
Para que a paz torne-se possível, é preciso primeiro que se tenha a concepção de que cada ser é um irmão ou irmã, portanto, oriundos do mesmo Criador.
Pode dizer-se que São Francisco não amou a natureza, mas cada ser concreto. Não esquadrilhou a realidade de cada ser, como tentou fazer a ciência moderna. Foi além, a própria realidade de criatura, depende dum criador. ( SILVEIRA, 1994. Pág. 73 )
Esta dimensão de irmandade é vista por Francisco como um "Dom de Deus" e é o próprio Deus que lhe dá mais irmão, " o Senhor me deu irmãos" conforme testamento antes de sua morte.
Toda a vida, Francisco foi muito atencioso com os outros. E, embora o vejamos preferir a companhia dos mais humildes e abandonados, contudo está aberto a todos, mesmo os grandes desse mundo: vai ao Papa Inocêncio, torna-se amigo do cardeal Hugolino, atravessa o Mediterrâneo para levar a Boa-Nova ao sultão do Egito, a quem se impõe por sua grande polidez".( LECLERC, 1977. Pág. 176 )
Porém, reconhecer o outro como irmão exige uma atitude de diálogo, ou seja, ir ao encontro do irmão e desarmar-se, reconhecendo sua individualidade e o amando como realmente é. O amor é capaz de transformar a sociedade violenta em uma sociedade com os princípios da Cultura de Paz.
Aí reside a maravilha do amor: descobrir que a criação é um todo único, projetado por Deus que é Pai; e, se te apresentas como ele, desarmado e pleno de paz, a criação te reconhece e sorri para ti. ( CARRETTO, 1981. Pág. 163 )
A maior causa da violência social é decorrente de uma sociedade intransigente, sociedade que não aprendeu a amar e perdoar, que visa suas próprias conveniências e não busca comunicações possíveis.
Francisco lhe dá seu pleno sentido bíblico e evangélico. A paz que ele deseja a todos e a cada um é o favor de Deus, o perdão, a volta à graça, a amizade divina recuperada, numa palavra, a reconciliação total com Deus: e é por isso mesmo, também a reconciliação dos homens entre si e consigo mesmos, no mesmo espírito de misericórdia. Essa é a paz que Cristo veio trazer a terra." ( LECLERC, 1977. Pág. 177 )
Francisco buscava entender os problemas do outro e só através do diálogo e do perdão, procurava soluções viáveis às dificuldades.
É a lição deixada por Jesus. Ele estabeleceu o amor irrestrito ao próximo. Perguntaram-lhe: quem é o próximo? Em vez de dar uma resposta teórica, ele contou a história do bom samaritano. Daí se deriva claramente que o próximo é todo aquele de quem eu me aproximo, pouco importando sua condição social ou religiosa. Por isso depende de mim fazer dos outros inimigos próximos. ( BOFF, Pág. 39 )
Francisco, mais do que ninguém compreendeu os absurdos cometidos pela humanidade, por isso, levou uma vida baseada nos valores evangélicos. Desceu da categoria de rico e se encontrou na simplicidade da vida foi ao encontro dos excluídos, viveu um estilo de vida simples e reconstruiu um mundo de justiça, de Paz e Bem.
Toda pessoa, que dedica sua vida aos irmãos, necessita ser firme e ligada a um plano espiritual, a um Deus, a um ser superior. Este plano espiritual é que fortifica, que alimenta a pessoa, para que ela não se desanime com os entraves da luta, mas seja sempre perseverante. Este plano espiritual é contrário ao plano que o mundo ( ideologia capitalista ) oferece a você. Porque o mundo pede que a gente seja egoísta, que vivamos sempre pra satisfazer o nosso eu. A pessoa que entra nesta luta rompe com a ideologia do sistema, com os frutos da carne, com o pensamento do mundo. Mas isto não é fácil - gera muitos conflitos no interior da mente e muitos desistem. O que você pensa sobre isto? ( TRASFERETTI, 1999. Pág. 64 - 65 )
Fica, portanto, o desafio que Trasferetti propõe, não somente aos professores e educandos, mas a todos os seres humanos que querem e desejam viver em um mundo mais habitável, onde possamos viver como irmãs e irmãos. Então, está lançado o desafio.



6. Avaliação e Redimensionamento
Quando pensei na proposta de trabalhar este tema referente a Paz, muitas certezas estavam presentes, principalmente as que se referem as necessidades existenciais e sociais em que estamos passando neste mundo globalizado e neo-liberal, tendo o capitalismo como um sistema que não perpassa uma concepção de Paz que atinje a grande maioria da população, pois, o seu império é opressor e excludente para a grande parte das pessoas.
Diante deste paradigma, é evidente que trabalhar este projeto tornou-se uma necessidade nos dias atuais e no contexto escolar do Colégio Franciscano Sant'Anna, Instituição que se preocupa com tal problemática. Da mesma forma, os educandos demonstram receptividade pelo assunto.
Contudo, muitos desafios foram lançados e algumas dificuldades apareceram no decorrer do trabalho. Entre as principais dificuldades que encontrei perante os educandos, foi a de faze-los perceber, com questionamentos reflexivos, que somos atingidos pelo sistema global e neo-liberal e que se quisermos conquistar a Paz baseada na Justiça deveremos, antes de mais nada, refletir os aspectos positivos e negativos que o atual sistema sócio-político-econômico perpassa.
As reflexões feitas juntamente com as intervenções dinamizadas pelos educandos referentes à violência social, proporcionaram muita discussão em sala de aula, tendo diversos pontos de vista. Contudo, é relevante afirmar que os educandos constataram que se tivermos um modelo político-econômico-social justo, certamente alcançaremos a Paz o mais rápido possível.



7. Considerações Finais
Pode-se dizer que Francisco de Assis, Ghandi, Luter King, Teresa de Calcuta, Betinho, Mandela entre tantos outros, não foram "líderes" pacifistas, mas pessoas pacíficas, que compreenderam que as relações humanas transcendem a questões meramente materiais. Em todo o decorrer de suas existências, colocaram-se no lugar do outro, não analisando suas conveniências e seu próprio bem estar, mas o bem comum.
Estes homens e mulheres, são em nosso tempo e certamente, continuarão por muito, sendo modelos a serem seguidos, por todas as civilizações, para permear as relações humanas, incutindo uma mentalidade de Paz, contrapondo-se com a que é apresentada por ideologias dominantes.
Pode-se dizer que nossa sociedade, precisa com urgência, de homens e mulheres que acolham a proposta de Paz, e busquem constantemente o resgate de valores sadios e fundamentais para o futuro da humanidade.
Portanto, este projeto, é apenas o primeiro passo em uma longa caminhada para obter a "sonhada" Paz, porém, é preciso dar este passo para começar esta caminhada "Utópica e Possível". PAZ e BEM.



8. Referências Bibliográficas:
BRANDÃO, Carlos R. O Que é o Método Paulo Freire. Ed. Brasiliense 16ª edição, São Paulo, 1980.
---------- Revista de Educação AEC, nº 107/1998.
LINDOSO, Dirceu. Liberdade e Socialismo. Petrópolis, AMPM ed. com. de Livros, 1987.
---------- Caderno da AEC nº 72. Porto Alegre. 1998.
---------- Educar para a Paz, uma Proposta Possível; Seminário de Educação para a Paz / APDH -CIP. Madri - Espanha. 1990.
KENDALL, Margaret. Religiões em Diálogo. Ed. São Paulo, São Paulo. 1998.
CULTRERA, Francesco. Ética e Política. Ed. Paulinas, São Paulo. 1999.
SILVEIRA, Ildefonso. São Francisco de Assis e Nossa Irmã e Mãe Terra. Ed. Vozes Petrópolis. 1994.
LECLERC, Eloi. O Cântico das Criaturas ou Os Símbolos da União. Ed. Vozes, 2ª edição. Petrópolis. 1977.
BOFF, Leonardo. A Oração de São Francisco, Uma Mensagem de Paz para o Mundo Atual. Sextante, 3ª Edição. Rio de Janeiro. 1999.
TRASFERETTI, José Antônio. Ética da Misericórdia: Na Luta pela Sobrevivência. Ed. Vozes. Petrópolis. 1999.
CARRETTO, Carlos. Eu, Francisco. Ed. Paulus, 5ª edição. São Paulo. 1981.
RUPULO, Irani. Uma Proposta Educativa na Cosmovisão Franciscana para o Mundo Atual. Dissertação de Mestrado em Educação. FAFRA, Santa Maria. 1998.

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