terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

A Educação para a Paz é um tesouro

O objetivo desta cartilha consiste em fornecer alguns conceitos e práticas para se fazer Educação para a Paz. Ao contemplarmos o passado e o presente da humanidade, percebemos muitas marcas de violência. Mas temos boas notícias: avançamos muito na implantação da democracia, na prática da solidariedade e do voluntariado, nos direitos humanos, no cuidado com o meio ambiente, na valorização da diversidade, dentre tantas outras ações a favor da paz. Ao investir esforços na Educação para a Paz, acreditamos que podemos criar um futuro cada vez mais harmonioso. Educar é empreender uma aventura criativa. Ao navegar no mar precisamos ter uma direção definida e precisa (“navegar é preciso”). Mas, ao navegar nas correntes e tempestades da vida, dificilmente sabemos, com precisão, o caminho que devemos tomar (“viver não é preciso”). E para educar, assim como para viver, é necessário aventurar-se. Educar para a Paz é uma aventura que vai além da simples transferência de conhecimentos. Significa empreender uma linda jornada pelo mundo exterior e interior. Uma viagem repleta de desafios e muitas belas paisagens. Por onde iniciar esta jornada? Vamos olhar à nossa volta. Vivemos em uma sociedade tecnocrática, que desencadeou profundos problemas sociais e ecológicos. Observando o papel da educação e da mídia, percebemos que cultivam valores tais como a competitividade, o sucesso a qualquer preço, a lógica fria, o consumo. A cultura molda nossas idéias e atitudes. Para construir uma Cultura de Paz necessitamos, portanto, de uma nova coreografia: uma mudança em nossos padrões mentais e ações. Sabemos que as visões instrumentais e mecanicistas da educação, predominantes até pouco tempo, não têm sido capazes de reverter esses valores e responder aos problemas mais essenciais da humanidade.
Embora a educação ambiental já faça parte do cotidiano do educador, apenas agora estamos despertando para a necessidade vital de incluir a Educação para a Paz, e apoiar a UNESCO no movimento gerador de mudanças de uma cultura que prega saberes, valores e ações voltados para a violência, para uma cultura comprometida com a paz e a não-violência. A Educação para a Paz é um “processo pelo qual se promovem conhecimentos, habilidades, atitudes e valores necessários para induzir mudanças de comportamento que possibilitam às crianças, aos jovens e aos adultos a prevenir a violência (tanto em sua manifestação direta, como em sua forma estrutural); resolver conflitos de forma pacífica e criar condições que conduzam à paz (na sua dimensão intrapessoal; interpessoal; ambiental; intergrupal; nacional e/ou internacional)”. Referenciais interessantes emergem desta definição. A Educação para a Paz é um processo que dura toda nossa vida, permeia todas as idades, seu campo de atuação é por essência complexo e multifacetado. Além de acontecer nas escolas, tem que estar presente em nosso cotidiano: nos meios de comunicação, nas relações pessoais, na organização das instituições, no meio da família. A educação é um processo cultural no qual estamos totalmente imersos. Em contato com os aprendizes, quer estejamos ou não dentro do espaço de uma escola, a educação permeia tudo que nos cerca, os gestos, olhares e palavras. As posturas e movimentos. Há um discurso silencioso em nossa presença, que movimenta ideais, transmite valores e percepções. Educar para a Paz requer o “querer bem” dos aprendizes. Não há educação sem transformação. Não há mudança sem encontro, acolhimento e espaço de partilha. Envolve, enfim, uma mudança profunda em nossos sistemas de pensamento e de ensino, pois não se preocupa apenas com a transmissão de saberes, mas com a formação de uma nova maneira de ser.
Educar para a Paz envolve a geração de oportunidades para comunhão de significados e afetos. Assim como o agricultor deve arar, afofar o terreno, deixá-lo rico em nutrientes e irrigá-lo, devemos criar um ambiente propício e acolhedor para que as sementes da paz possam germinar. Isto envolve criatividade, abertura para promover uma qualidade nova nos espaços de ensino/aprendizagem a fim de transformá-los em locais de humanização e sensibilidade. E como descobrir o prazer de aprender nos espaços educativos? Sem prescindir da lógica e da razão, devemos criar uma atmosfera de liberdade e alegria. O humor, por exemplo, é um dos fatores importantes para abrir as portas do conhecimento e da curiosidade. Tal descoberta é um desafio, pois historicamente a educação, privilegiando o pensamento e a inteligência, desprezou as experiências de afeto e desafeto, alegria e tristeza, aceitação e desprezo que ficaram confinadas na memória corporal. Assim provocou-se uma grande ruptura, tratando-se os educandos como simples recipientes de conhecimento. O primeiro passo está em permitir e incentivar a expansão do movimento corporal dos aprendizes, geralmente aprisionados na rigidez dos bancos escolares, nas cadeiras dos computadores, nos assentos dos ônibus, dos carros. Se a educação for uma atividade prazerosa, propicia confiança e curiosidade, aceita novos desafios, constrói a paz. Para gerar atitudes inovadoras devemos ter a coragem de romper padrões e criar novas formas de Ser, Conviver, Conhecer e Fazer. Ensinar a criatividade e fazê-lo criativamente são caminhos fundamentais da Educação para a Paz. Uma pessoa saudável e autoconfiante permite a expressão e incentiva a investigação do novo, do possível e desejável, mantendo uma atitude aberta para o encontro com a diversidade. Aprender a transitar pelo “universo das diferenças” e levar os aprendizes conosco nessa viagem exige reconhecer a existência dos preconceitos e abrir mão deles, pois persistem arraigados, provocando injustiças sociais, econômicas e guerras, apesar da diversidade ser a raiz da vida e da cultura. Aliás, quando lemos os jornais ou ouvimos o noticiário, temos a impressão que um recurso natural espontâneo, “O Amor”, está à beira da extinção. Crianças de rua, presídios abarrotados, filas intermináveis nos hospitais. Dentro deste mundo carente, é uma pena que a educação muitas vezes se esqueça que temos um desejo inato de contato e de nos tornar significativos para os outros. Esta falta de afeto é ainda mais dolorosa nos setores vulneráveis da nossa sociedade: entre as crianças, os jovens e os idosos. A vida parece vazia quando nossos corações estão fechados. Educar para a Paz pede o exercício da compaixão. Nosso meio ambiente tem sido muito agredido, da mesma maneira estão adoecidas a interioridade humana e as relações entre as pessoas. A Educação para a Paz preocupa-se em minimizar essas dores. Não dispensa o rigor do pensamento acadêmico, mas sem dúvida, o transcende. A Educação para a Paz é fundamental para resolver conflitos de forma madura e saudável, visto que eles fazem parte do cotidiano de todas as pessoas, em todos os tempos e lugares. É uma oportunidade de desenvolvermos conceitos positivos nas partes envolvidas, através da compreensão do ponto de vista do outro. É também uma oportunidade de darmos suporte emocional aos envolvidos, demonstrando o valor da confiança nas pessoas e nos processos que levam à paz. Em nossas escolas, grande parte das vezes, os estudantes acumulam saberes de seus professores e realizam uma troca de informações. Quando a disciplina ou o curso termina os participantes esquecem uns dos outros, e a vida continua como se nada tivesse acontecido. Na proposta da Educação para a Paz devemos seguir um outro caminho: não importa a idade de seus educandos, o que vale é criar laços de afeto e confiança mútua. Nós, seres humanos, somos totalmente dependentes do afeto. Desde o primeiro instante de vida precisamos do calor e do cuidado que nos conforta e legitima. Para nos desenvolver de maneira saudável, precisamos da estrutura e da confiança dos adultos. Entretanto, a grande Mãe é o planeta Terra que, vista do espaço, é uma pérola azul navegando na imensidão do cosmos, um útero de criação, que abriga uma vastidão de maravilhas naturais. E todos os seres humanos alimentam-se, inteiramente dependentes, dos recursos do planeta: da água, da terra e de uma variedade incontável de produtos provenientes dela. Neste século, não podemos prescindir das questões relativas ao bem-estar da sociedade e da natureza. O fato é que estamos indo longe demais, ao servir a interesses imediatos de uma cultura que cultiva a violência e a acumulação em detrimento do bem-estar social e ecológico.
Para concluir, não podemos nos esquecer que as palavras têm um poder muito grande, talvez seja por isso que todas as religiões do mundo recitam preces, mantras, cântigos sagrados. Os poetas e sábios de todos os tempos nos iluminaram com versos que nos acompanham por toda a vida, no transcorrer de gerações. Na educação, na família, na sociedade, as palavras amigas nada custam a quem as profere e só enriquecem quem as recebe. Afinal, quem não gosta de ouvir expressões como: “você fez um bom trabalho”; “você é capaz”, “sentimos falta de você”. A Educação para a Paz está, em sua essência, comprometida com um futuro de bem-estar para a humanidade, e com o meio ambiente. Não se pode mudar os erros do passado, mas podemos construir um futuro saudável, tão cheio de criatividade quanto a própria vida. E, talvez, a descoberta mais valiosa a ser feita pelo ser humano neste século seja que a palavra “NÓS” é a mais importante de todas. 

Laura Gorresio Roizman É mãe da Renata e da Lílian, casada com Gilson. Na Associação Palas Athena coordena, entre outros, o Programa para Formação de Educadores em Valores Universais, Ética e Cidadania. Doutora em Saúde Pública e Mestre em Ecologia pela Universidade de São Paulo.

Fonte: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001467/146767por.pdf

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