O objetivo desta cartilha consiste em fornecer alguns conceitos e
práticas para se fazer Educação para a Paz.
Ao contemplarmos o passado e o presente da humanidade,
percebemos muitas marcas de violência. Mas temos boas notícias:
avançamos muito na implantação da democracia, na prática da
solidariedade e do voluntariado, nos direitos humanos, no cuidado com o
meio ambiente, na valorização da diversidade, dentre tantas outras ações
a favor da paz. Ao investir esforços na Educação para a Paz, acreditamos
que podemos criar um futuro cada vez mais harmonioso.
Educar é empreender uma aventura criativa. Ao navegar no mar
precisamos ter uma direção definida e precisa (“navegar é preciso”). Mas,
ao navegar nas correntes e tempestades da vida, dificilmente sabemos,
com precisão, o caminho que devemos tomar (“viver não é preciso”). E
para educar, assim como para viver, é necessário aventurar-se.
Educar para a Paz é uma aventura que vai além da simples
transferência de conhecimentos. Significa empreender uma linda jornada
pelo mundo exterior e interior. Uma viagem repleta de desafios e muitas
belas paisagens.
Por onde iniciar esta jornada? Vamos olhar à nossa volta. Vivemos
em uma sociedade tecnocrática, que desencadeou profundos problemas
sociais e ecológicos. Observando o papel da educação e da mídia,
percebemos que cultivam valores tais como a competitividade, o sucesso
a qualquer preço, a lógica fria, o consumo.
A cultura molda nossas idéias e atitudes. Para construir uma
Cultura de Paz necessitamos, portanto, de uma nova coreografia: uma
mudança em nossos padrões mentais e ações. Sabemos que as visões
instrumentais e mecanicistas da educação, predominantes até pouco
tempo, não têm sido capazes de reverter esses valores e responder aos
problemas mais essenciais da humanidade.
Embora a educação ambiental já faça parte do cotidiano do
educador, apenas agora estamos despertando para a necessidade vital
de incluir a Educação para a Paz, e apoiar a UNESCO no movimento
gerador de mudanças de uma cultura que prega saberes, valores e ações
voltados para a violência, para uma cultura comprometida com a paz e
a não-violência.
A Educação para a Paz é um “processo pelo qual se promovem
conhecimentos, habilidades, atitudes e valores necessários para induzir
mudanças de comportamento que possibilitam às crianças, aos jovens e
aos adultos a prevenir a violência (tanto em sua manifestação direta,
como em sua forma estrutural); resolver conflitos de forma pacífica e
criar condições que conduzam à paz (na sua dimensão intrapessoal;
interpessoal; ambiental; intergrupal; nacional e/ou internacional)”.
Referenciais interessantes emergem desta definição. A Educação para a
Paz é um processo que dura toda nossa vida, permeia todas as idades,
seu campo de atuação é por essência complexo e multifacetado. Além de
acontecer nas escolas, tem que estar presente em nosso cotidiano: nos
meios de comunicação, nas relações pessoais, na organização das
instituições, no meio da família.
A educação é um processo cultural no qual estamos totalmente
imersos. Em contato com os aprendizes, quer estejamos ou não dentro do
espaço de uma escola, a educação permeia tudo que nos cerca, os
gestos, olhares e palavras. As posturas e movimentos. Há um discurso
silencioso em nossa presença, que movimenta ideais, transmite valores e
percepções.
Educar para a Paz requer o “querer bem” dos aprendizes. Não há
educação sem transformação. Não há mudança sem encontro,
acolhimento e espaço de partilha. Envolve, enfim, uma mudança
profunda em nossos sistemas de pensamento e de ensino, pois não se
preocupa apenas com a transmissão de saberes, mas com a formação de
uma nova maneira de ser.
Educar para a Paz envolve a geração de oportunidades para
comunhão de significados e afetos. Assim como o agricultor deve arar,
afofar o terreno, deixá-lo rico em nutrientes e irrigá-lo, devemos criar
um ambiente propício e acolhedor para que as sementes da paz possam
germinar. Isto envolve criatividade, abertura para promover uma
qualidade nova nos espaços de ensino/aprendizagem a fim de
transformá-los em locais de humanização e sensibilidade.
E como descobrir o prazer de aprender nos espaços educativos?
Sem prescindir da lógica e da razão, devemos criar uma atmosfera de
liberdade e alegria. O humor, por exemplo, é um dos fatores importantes
para abrir as portas do conhecimento e da curiosidade.
Tal descoberta é um desafio, pois historicamente a educação,
privilegiando o pensamento e a inteligência, desprezou as experiências
de afeto e desafeto, alegria e tristeza, aceitação e desprezo que ficaram
confinadas na memória corporal. Assim provocou-se uma grande ruptura,
tratando-se os educandos como simples recipientes de conhecimento.
O primeiro passo está em permitir e incentivar a expansão do
movimento corporal dos aprendizes, geralmente aprisionados na rigidez
dos bancos escolares, nas cadeiras dos computadores, nos assentos dos
ônibus, dos carros. Se a educação for uma atividade prazerosa, propicia
confiança e curiosidade, aceita novos desafios, constrói a paz.
Para gerar atitudes inovadoras devemos ter a coragem de romper
padrões e criar novas formas de Ser, Conviver, Conhecer e Fazer. Ensinar
a criatividade e fazê-lo criativamente são caminhos fundamentais da
Educação para a Paz.
Uma pessoa saudável e autoconfiante permite a expressão e
incentiva a investigação do novo, do possível e desejável, mantendo uma
atitude aberta para o encontro com a diversidade. Aprender a transitar
pelo “universo das diferenças” e levar os aprendizes conosco nessa
viagem exige reconhecer a existência dos preconceitos e abrir mão deles,
pois persistem arraigados, provocando injustiças sociais, econômicas e
guerras, apesar da diversidade ser a raiz da vida e da cultura.
Aliás, quando lemos os jornais ou ouvimos o noticiário, temos a
impressão que um recurso natural espontâneo, “O Amor”, está à beira da
extinção. Crianças de rua, presídios abarrotados, filas intermináveis nos
hospitais. Dentro deste mundo carente, é uma pena que a educação
muitas vezes se esqueça que temos um desejo inato de contato e de nos tornar significativos para os outros. Esta falta de afeto é ainda mais
dolorosa nos setores vulneráveis da nossa sociedade: entre as crianças, os
jovens e os idosos.
A vida parece vazia quando nossos corações estão fechados.
Educar para a Paz pede o exercício da compaixão. Nosso meio ambiente
tem sido muito agredido, da mesma maneira estão adoecidas a
interioridade humana e as relações entre as pessoas. A Educação para a
Paz preocupa-se em minimizar essas dores. Não dispensa o rigor do
pensamento acadêmico, mas sem dúvida, o transcende.
A Educação para a Paz é fundamental para resolver conflitos de
forma madura e saudável, visto que eles fazem parte do cotidiano de
todas as pessoas, em todos os tempos e lugares. É uma oportunidade de
desenvolvermos conceitos positivos nas partes envolvidas, através da
compreensão do ponto de vista do outro. É também uma oportunidade
de darmos suporte emocional aos envolvidos, demonstrando o valor da
confiança nas pessoas e nos processos que levam à paz.
Em nossas escolas, grande parte das vezes, os estudantes
acumulam saberes de seus professores e realizam uma troca de
informações. Quando a disciplina ou o curso termina os participantes
esquecem uns dos outros, e a vida continua como se nada tivesse
acontecido. Na proposta da Educação para a Paz devemos seguir um
outro caminho: não importa a idade de seus educandos, o que vale é
criar laços de afeto e confiança mútua. Nós, seres humanos, somos
totalmente dependentes do afeto. Desde o primeiro instante de vida
precisamos do calor e do cuidado que nos conforta e legitima. Para nos
desenvolver de maneira saudável, precisamos da estrutura e da confiança
dos adultos.
Entretanto, a grande Mãe é o planeta Terra que, vista do espaço, é
uma pérola azul navegando na imensidão do cosmos, um útero de
criação, que abriga uma vastidão de maravilhas naturais. E todos os seres
humanos alimentam-se, inteiramente dependentes, dos recursos do
planeta: da água, da terra e de uma variedade incontável de produtos
provenientes dela.
Neste século, não podemos prescindir das questões relativas ao
bem-estar da sociedade e da natureza. O fato é que estamos indo longe
demais, ao servir a interesses imediatos de uma cultura que cultiva a
violência e a acumulação em detrimento do bem-estar social e ecológico.
Para concluir, não podemos nos esquecer que as palavras têm um
poder muito grande, talvez seja por isso que todas as religiões do mundo
recitam preces, mantras, cântigos sagrados. Os poetas e sábios de todos
os tempos nos iluminaram com versos que nos acompanham por toda a
vida, no transcorrer de gerações.
Na educação, na família, na sociedade, as palavras amigas nada
custam a quem as profere e só enriquecem quem as recebe. Afinal, quem
não gosta de ouvir expressões como: “você fez um bom trabalho”; “você
é capaz”, “sentimos falta de você”.
A Educação para a Paz está, em sua essência, comprometida com
um futuro de bem-estar para a humanidade, e com o meio ambiente.
Não se pode mudar os erros do passado, mas podemos construir um
futuro saudável, tão cheio de criatividade quanto a própria vida.
E, talvez, a descoberta mais valiosa a ser feita pelo ser humano neste
século seja que a palavra “NÓS” é a mais importante de todas.
Laura Gorresio Roizman
É mãe da Renata e da Lílian, casada com Gilson.
Na Associação Palas Athena coordena, entre outros, o Programa
para Formação de Educadores em Valores Universais, Ética e
Cidadania. Doutora em Saúde Pública e Mestre em Ecologia pela
Universidade de São Paulo.
Fonte: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001467/146767por.pdf